sexta-feira, 12 de março de 2010

Escolas, cuecões e um balde de pintos

Escola. Nossa primeira prisão. Desde cedo somos jogados dentro dela para aprender a seguir as regras e ser alguém na vida. Pelo menos na teoria.

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Uma das aulas que eu mais odiava era de Educação Física. Poxa, eu era uma criança gorda, minha natureza me fazia odiar exercícios físicos.

A coisa se tornava pior quando o professor resolvia que a atividade do dia seria futebol. Acho que sou um péssimo exemplo de brasileiro. Odeio carnaval, samba e futebol. A última vez que tentei jogar futebol na rua, bati em um poste. Mas voltando à aula, eu era sempre o último a ser escolhido, afinal ninguém queria o gordo. Às vezes pegavam o gordo para ficar no gol, já que ele tem uma área de cobertura maior. Mas com o tempo aprenderam a não me colocar no gol, já que eu me encolhia e corria na direção contrária à bola. Foda-se o time, não ia ficar levando bolada por nada.

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Após ser escolhido pelo pobre time que tinha perdido no par ou impar vinha a má noticia: os times seriam divididos entre os “com camisa” e os “sem camisa”. Adivinha em qual eu caía?

Começava o jogo e a minha tragédia. A pequena criança roliça correndo atrás da bola, tetinhas balançando e barriga de geléia tremendo. Sem contar as piadinhas que tinha que ouvir do tipo: "olha lá o gordo correndo atrás do filhinho!"

Basquete também era um fracasso. Correr em volta da quadra batendo bola? Era um misto de vergonha alheia e piada. O que era para ser feito em alguns minutos eu conseguia estender por horas, era quase uma cena de Chaplin, comigo tentando correr e bater a bola, mas acabava chutando e correndo atrás dela, ou tropeçava por cima da bola e caía.

Como eu era um desastre o professor acabou desistindo e eu passei meus últimos anos de Educação Física sentado na arquibancada apenas olhando, o que para mim era bom.

Esses anos de chacota acabaram criando um monstro. Quando fiquei mais velho e maior, virei um gordo evil, que batia nos menores e roubava lanches. Quer dizer roubar não, que é uma palavra muito feia. Eu convencia as pessoas a compartilhar o que compravam na cantina. Fazia cuecões e sacaneava a todos. Claro que como todo valentão eu tinha meus seguidores que me ajudavam com isso.

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Mas o tempo passou e com ele essa fase de valentão mirim (e o fato de ter arrancado a cueca com um pivete e ver que estava suja de sangue contribuiu para isso). Com a chegada da adolescência eu fui mudando, e de gordo evil virei um gordo esquisito e andava com um bando de esquisitos.

Nesse tempo a sala de aula era dividida em grupos:

Caras populares: os caras bonitões, descolados e legais que as mulheres adoravam. Alguns já fumavam escondido porque era legal, faziam piadinhas e contavam vantagem de tudo. Seus nomes sempre estavam nos cadernos de perguntas que as meninas costumavam fazer.

Garotas populares: as garotas mais bonitas e gostosas da sala, andavam em bando e esnobavam os esquisitos como nós. Davam apenas para os populares, mas depois de fazer muito cu doce, claro. Elas alimentaram a imaginação e sonhos de muitos caras na sala, mas somente os populares diziam ter pego elas, e nossas cabeças vazias de adolescentes acreditavam porque eles eram capazes, eles eram os caras populares.

Turma do fundão: sentavam no fundo da sala e não faziam nada, a não ser piadinhas sem graça e zoação. Pegava o mais loser da sala para bulling. Entre eles sempre tinha um repetente, geralmente um ou dois anos mais velho, que era um lembrete do que acontece com os caras do fundão. Engraçado que hoje em dia muitos se deram bem.

Estudiosos: os que manjavam de tudo. Iam na lousa, respondiam a chamada oral e sentavam na fileira da frente. Conhecidos como CDF's. Eram sempre eles que passavam a cola nas provas, sob ameaças de serem espancados pela turma do fundão.

Esquisitos: uma mistura de tudo que não se encaixava nos padrões citados. Tinha o cara gordo, o esquisito de óculos fundo de garrafa, o cara burro, o repetente mongol, o deficiente, o cara que usava bombinha de asma. Geralmente eram os escolhidos para serem as vítimas da turma do fundo.

Meu melhor amigo nessa época era o Ordilei (sim, esse era o nome do cara), que tinha orelhas gigantes e uma perna menor que a outra, que o fazia andar mancando. O que nos aproximou, além do fato de serem ambos losers, foi Cavaleiros do Zodíaco, que na época era a sensação do momento, e eu os desenhava no meu caderno.

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Aliás, esse talento natural para desenhar um pouco mais do que bonecos de pauzinhos com cabeça de bolinha me rendia um certo status nas aulas de Educação Artística.

Por sinal, as aulas de Educação Artística eram as mais inúteis depois de Ed. Física. Elas foram responsáveis por uma geração de flautistas que sabiam tocar apenas o tema do Ayrton Senna.

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Eu não aprendi a tocar porque não tinha flauta para levar nas aulas, sem contar que essa idéia na época já me causava revolta. Aprendi muito sobre Monet e a fazer esculturas de argila, mas gostava mesmo era de desenhar.

Nessas aulas eu sempre me dava bem, com todos querendo ser meus amigos. Até as garotas populares ficavam à minha volta, querendo que eu as desenhasse. Na época eu adorava isso, já hoje em dia percebo como eram garotas fúteis e que eu poderia ter conseguido muitos favores sexuais gratuitos com isso. Maldita inocência.

E para que não nos rebelássemos contra o sistema, eles faziam as famosas excursões de escola.

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Claro que excursão de escola pública nunca é grande coisa. Eles pegam todos os alunos de uma sala, enfiam em um ônibus velho onde os professores precisam tentar monitorar e cuidar dos alunos. O que eles não contavam é com o espírito demoníaco que possui a molecada. Sempre some um aluno nessas excursões.

No dia da excursão estão todos prontos, com as mochilas cheias de comida e a autorização assinada em mãos.

Aliás, ela tinha uma grande importância. Sempre tínhamos que levar aquilo pra assinar, e nossos pais assinavam e concordavam, sem saber que na verdade a escola estava tirando o deles da reta, caso alguma criança fosse atropelada, caísse do ônibus, fosse comida por um urso ou algo assim.

Claro que sempre tinha neguinho que esquecia a autorização e ficava chorando pra ir.

Para ver como eram seguras essas excursões, os motoristas apostavam corrida entre eles, com o incentivo das crianças que gritavam rimas como "ô motorista, não para não! Corre nessa porra que nóis não tem medo não".

A maioria dos passeios era para o Playcenter, mas eu nunca fui por motivos de grana. Hoje sou um adulto de 26 anos frustrado que nunca foi ao Playcenter.

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Mas tinham outras excursões que eram mais chatas e baratas, como o Museu de Anatomia Humana e o Butantã, e nessas eu fui.

O Museu de Anatomia foi legal. Nada como passar o dia vendo pedaços de corpos em vidros de formol e um cadáver dissecado em cima da mesa, para admiração dos alunos. Tinha até um balde de metal, desses de 10 litros, cheio de pênis cortados. Nem preciso dizer que teve um engraçadinho que resolveu pegar um e mostrar pras meninas.

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Já o Butantã foi boring pra cacete. Cobras não são divertidas.

A única excursão divertida que lembro de ter ido foi para o SESC, não lembro qual deles, mas tinha um jacaré gigante de cimento no gramado e um salão de jogos onde pude jogar Pula Pirata (o jogo) depois de muitos anos.

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Apesar que a única coisa que realmente valeu a pena nessa excursão foi ver as garotas populares da sala de biquini.

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Já o ensino médio era mais barra pesada. Era um novo mundo. Brigas na saída, cigarro, álcool, meninas grávidas e o mais puro instinto de sobrevivência.

Tínhamos as famosas aulas vagas, que eram uma merda. Quando não colocavam um professor substituto sem preparo nenhum para dar uma atividade para enrolar, éramos obrigados a ficar no pátio esperando o tempo passar. Alguns malhavam, outros jogavam, os sortudos se pegavam, jogavam truco, fumavam no banheiro... e depois dizem que a escola não é uma prisão.

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Era tudo questão de fazer amizade com o inspetor/carcereiro da escola. Nada que uma conversa e um cigarro pra ele fumar escondido e abrir o portão para o povo que estava com aula vaga ir embora. Claro que nem todos eram subornáveis. Teve um ano em que trocaram o inspetor (acho que descobriram o que o antigo fazia) e colocaram a terrível e temida Babalú, uma velha carrasca linha dura.

Nessa época eu tentava apenas sobreviver. Tanto que nas noites de sexta, quando a maioria ficava na porta da escola bebendo, eu ia para casa jogar RPG.

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Nerd? Eu? Imagina.

E em homenagem as escolas:

Um comentário:

  1. dahora.. parece que não é.. mas é a vida de mta gente assim não sei como mais pessoas não leram e comentaram isso..

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